I CENTENÁRIO (1901 - 2001)

 

O CADC - Um Século de História

 

Manuel Braga da Cruz
Antigo Reitor da Universidade Católica Portuguesa

1. Fundação e primeiros tempos

O CADC foi fundado em Coimbra em 1901, para responder ao agravamento da questão religiosa ocorrido nesse ano no país.

O governo de Hintze Ribeiro adoptara uma série de medidas contra as ordens religiosas. Um decreto de 18 de Abril obrigava os institutos religiosos a submeterem a aprovação oficial os seus estatutos, e proibia-lhes o regime de clausura, os noviciados e os votos. Contra estas disposições se insurgiram os bispos, e de um modo especial o Bispo do Porto D. António Barroso, que viria a ser apupado na Sala dos Capelos da Universidade, a 28 de Junho, quando ali se dirigiu por ocasião de um doutoramento solene, como padrinho do novo doutorando. Os estudantes católicos, indignados com a provocação aos seus sentimentos religiosos, resolveram reagir e, depois de várias reuniões, decidiram fundar um Centro Académico.

Pensaram de início chamar-lhe Centro Nacional Académico, mas acabariam por mudar-lhe o nome para Centro Académico de Democracia Cristã, não só para evitar a confusão com os Centros Nacionais, que dariam origem em 1903 ao Partido Nacionalista, mas também para sintonizar com o movimento social católico mundial, que adoptara a forma de “democracia cristã”, e com os Círculos de Estudos lançados em França por Léon Harmel. O CADC seria assim um centro de estudos e de acção, estreitamente ligado aos Círculos Católicos de Operários, fundados em Portugal em 1898, e às demais estruturas do movimento social católico, para tentar recristianizar o ambiente universitário coimbrão e, através dele, a sociedade portuguesa.

Com sede própria, embora não definitiva, logo em 1904, só no ano seguinte obtém a legalização, com a aprovação oficial civil e clesiástica dos seus estatutos, muito contribuindo para tal a figura tutelar do Doutor Francisco José de Sousa Gomes, professor de Química inorgânica e dirigente do movimento católico. O número de sócios, em 1905, era já de uma centena.

Mas a projecção do Centro na academia e no país iria dar-se sobretudo com o aparecimento, nesse ano, da revista Estudos Sociais, na qual os estudantes católicos iriam assumir posições avançadas e inovadoras, desse modo contribuindo para uma mais aguda consciência social católica e para uma maior difusão das experiências sociais e políticas que os católicos democratas iam ensaiando lá fora. Para além das simpatias pelo movimento francês de Le Sillon e pelo movimento italiano de Don Romulo Murri, que seriam depois desautorizadas por Pio X, sob a acusação de modernistas, os Estudos Sociais criticavam o despotismo czarista da Rússia, aceitavam a separação do Estado e da Igreja, que ocorrera em França em 1905, e criticavam a instrumentalização política da Igreja pelo conservadorismo, defendendo que a acção da Igreja deveria ser “absolutamente democrática e abertamente popular”. Tanto bastou para que sobre a revista fossem lançadas acusações de “modernismo” pela Revista Católica de Viseu, das quais se defendeu pela pena autorizada do Prof. Sousa Gomes, que na sombra a protegia. Ao CADC de Coimbra, outros se seguiram, de menor importância e expressão, em Lisboa, Porto e Braga, tendo-se chegado a constituir em 1909 uma União da Juventude Católica Portuguesa. Mas a revolução republicana, e a perseguição que moveu à Igreja, iria desmantelar o movimento e motivar o seu relançamento pouco depois.

2. A reabertura do CADC e a luta à política anti-religiosa da 1ª República

Com a revolução republicana, o CADC foi desmantelado, a sua sede saqueada e encerrada. A perseguição à Igreja expulsara os Bispos das dioceses e decapitara o movimento social católico. No verão de 1911, um grupo de estudantes católicos decide reagir ao clima de hostilidade e prepara o lançamento, que ocorrerá em 1912, de um jornal de combate – O Imparcial – dirigido por Manuel Gonçalves Cerejeira. Esses estudantes reabrem o CADC em 8 de Dezembro desse ano, sob a direcção de Cerejeira e Salazar, e constituem a partir dele a Federação das Juventudes Católicas Portuguesas, que organiza o I Congresso em Coimbra em 1913.

O CADC assume por isso um carácter defensivo e combativo, e a sua actuação revela-se de cunho mais conservador do que no período anterior. Os seus militantes envolvem-se na luta pela liberdade religiosa e pela liberdade da Igreja, e distinguem-se nas lutas académicas pelo empenho na qualificação da vida universitária. E quando em 1917 é fundado o Centro Académico, notabilizam- se entre os seus activistas, vindo até a tornar-se seus dirigentes e deputados. Os centristas que a partir de 1926 vão ser chamados ao governo, à frente dos quais Salazar, saíram na sua grande parte das fileiras do CADC. Em 1919, o jornal O Imparcial cessou a sua publicação, aparecendo em 1922 a nova revista Estudos do CADC, que se publicará ininterruptamente até 1970.

3. O CADC e a Acção Católica Portuguesa

Em 1932 foram aprovadas as Bases da Acção Católica, sendo o CADC integrado nela, como parte da Juventude Universitária Católica (a sua secção universitária) e na Juventude Escolar Católica (a sua secção escolar ou liceal). Como organismo da Acção Católica, alheio a qualquer intervenção política, o CADC não deixou porém de conhecer algumas clivagens dessa natureza, nomeadamente a que dividiu monárquicos, de pendor mais integralista, e “centristas” que subordinavam as suas preferências políticas à militância católica, clivagem essa que chegou a traduzir-se na contraposição de listas para a direcção.

No pós-guerra, o ressurgimento da democracia-cristã nos países onde foram derrotados regimes totalitários e autoritários (Alemanha, Itália, Áustria e França), apoiado pela Radiomensagem de Pio XII no Natal de 1944, fez ressurgir no CADC a simpatia por expressões políticas da democracia-cristã, pelo neotomismo de Maritain e pelo “personalismo cristão” de matriz francesa. Algumas posições assumidas pelos Estudos provocaram acusações de politização. E, em 1949, um dos seus dirigentes apareceu publicamente a apoiar a candidatura presidencial de oposição de Norton de Matos.

Ao longo dos anos 50, o fascínio pelas ideias da democracia e das liberdades foi crescendo no CADC. Após o I Congresso da JUC de 1953, os Estudos reflectem uma maior atenção aos problemas sociais dos universitários, e às actividades circum-escolares e associativas, entendidas como actividades formativas quer do ponto de vista moral quer social.

A repressão soviética da revolução húngara, em 1956, suscitaria uma forte reacção dos estudantes do CADC, que organizaram uma jornada de solidariedade com os estudantes e operários em luta pela liberdade, de colaboração com a JOC de Coimbra. A reivindicação de liberdade para a “Igreja do silêncio” tinha reflexos internos, fazendo crescer o apreço doméstico pela liberdade política, pela autonomia universitária e pelo associativismo estudantil. Por isso, a direcção do CADC e os Estudos viriam a opor-se ao Decreto-Lei 40.900, rejeitando a “demasiada ingerência do Estado na livre associação dos indivíduos e consequentemente também nos organismos académicos, pois aquela gera um paternalismo deformador e estiolante”.

E crescia também a atenção aos problemas sociais, objecto de um ciclo de conferências, em 1958, entre as quais uma do Bispo do Porto. Nas eleições presidenciais desse ano, que dividiram o mundo católico pela atitude do Bispo do Porto, a direcção do CADC foi mesmo ao ponto de fazer uma avaliação do regime, enaltecendo os méritos (paz, ordem, progresso económico e prestígio internacional) mas criticando também as deficiências (ausência de liberdade de imprensa, abusos da polícia política, desequilíbrios sociais, fragilidades da assistência e da educação).

Tais posições suscitariam reacções de sectores mais conservadores. Manuel Anselmo, nos seus Cadernos, acusaria o CADC de “sacristia anti-salazarista” e de “catolicismo progressista”.

4. A crise ultramarina e as crises estudantis

O começo da “guerra de Angola” e a ocupação de Goa, em 1961, levaram o CADC, onde as preocupações missionárias haviam aumentado, a identificar- se com as preocupações de defesa do Ultramar. E o despoletar das crises estudantis, como a de 1961, suscitou no CADC, a par da preocupação pela defesa do associativismo, a da defesa da autoridade.

O ataque aos lares religiosos de estudantes, por ocasião do Convívio, nos começos de 1961, e a publicação na Via Latina da “Carta à Jovem Portuguesa”, atacando a moral dominante como conservadora, provocou a reacção crítica do CADC. A destituição da direcção da Associação Académica e a suspensão da Via Latina, na sequência dos acontecimentos do Dia do Estudante, com a radicalização de posições e a instrumentalização política da luta estudantil pela oposição ao regime, puseram o CADC numa posição de difícil equilíbrio. Se por um lado fazia suas as reivindicações estudantis de restabelecimento da vida associativa, por outro lado recusava essa radicalização e instrumentalização política, que rejeitou a mediação moderadora de professores, e afrontava as autoridades académicas, ao lado das quais se pôs. Essa posição custou-lhe algum isolamento no movimento associativo desses anos, profundamente radicalizado.

Mas nos últimos anos da década de 60, o CADC, agitado também pelos ventos pós-conciliares, e cada vez mais aberto aos problemas sociais e políticos do tempo, aproximou-se mais do movimento estudantil, acabando por ser envolvido pela dinâmica da crise de 69. Os Estudos publicarão alguns números especiais sobre os problemas da Universidade e sobre a crise académica, manifestando o seu alinhamento, embora moderado, com a contestação estudantil. A crise de 1969 abalaria o CADC, particularmente a sua unidade, obrigando ao encerramento das suas actividades pela autoridade eclesiástica e à criação alternativa do Instituto Justiça e Paz, nos primeiros anos da década de 70.